Os atos de registo de factos relativos às pessoas assumem uma importância enorme desde os primórdios da História.

Pode dizer-se que o registo das pessoas é tão antigo como a própria escrita.

Há notícias de registos de nascimentos, casamentos e óbitos no Egito, na Grécia Antiga e no Império Romano.

O fenómeno sucessório consiste, na lógica do direito romano, na ocupação por um vivo do lugar do morto. É a substituição por via legal, como alternativa à emergente do saque ou da guerra.

O registo civil – como lhe chamaríamos hoje – sempre esteve ligado às funções dos escribas e dos sacerdotes. Mas foi, especialmente, depois da queda do Império Romano que se afirmou uma lógica registral influenciada e exercida pela Igreja Católica que, com o Concílio de Trento (1563) institucionalizou o registo dos batismos.

O registo civil universal e laico afirma-se, em França, com o Código Napoleónico (1804).

Foi sob a influência francesa que o Brasil instituiu o seu primeiro sistema do registo civil em 1875, treze anos antes da Lei do Registro Civil de 1888.

Em Portugal, o registo civil só foi institucionalizado em 1911, com a aprovação do Código do Registo Civil, de 18 de fevereiro desse ano.

Em 20 de abril de 1911, a “Lei da Separação da Igreja do Estado” determinou que todos os registos paroquiais (batismos, casamentos e óbitos) anteriores a 1911 gozassem de eficácia civil e fossem transferidos das respetivas paróquias para as recém-instituídas Conservatórias do Registo Civil.

Em 9 de novembro de 1912 foi aprovado o Código do Registo Civil do Estado da Índia.

Aos demais territórios foram-se aplicando os códigos do registo civil sucessivamente aprovados na metrópole.

 

 

As regras do registo civil

 

O registo civil tem, nos países civilizados, uma vocação de instantaneidade.

O nascimento em território português deve ser declarado no prazo máximo de 20 dias (artº 96º,1 do Código do Registo Civil).

O óbito deve ser declarado em 48 horas.

Todos os atos sujeitos a registo, nos termos do artº 1º do Código do Registo Civil, devem ser processados, no limite, cumprindo-se o disposto no Código do Procedimento Administrativo.

A degradação dos serviços do registo civil português conduziu a que atos tão simples como são as transcrições de atos de registo processados em outras jurisdições cheguem a demorar anos e anos, nalguns casos décadas.

Como podemos reagir a essa barbaridade, que importa consigo uma discriminação inaceitável dos emigrantes portugueses.

Para os efeitos deste estudo, relevam, no essencial os prazos para integração e transcrição de atos de registo processados em países estrangeiros.

Adiantamos, desde já, que a única via que nos permite reagir a este estado de degradação é a do recurso aos tribunais.

 

Quais são os prazos relevantes?

No nosso entendimento são os seguintes:

 

Prazo geral – Artº 86º do Código do Procedimento Administrativo

 

 

1 – Exceto quanto ao prazo de decisão do procedimento e na falta de disposição especial ou de fixação pela Administração, o prazo para os atos a praticar pelos órgãos administrativos é de 10 dias.

2 – É igualmente de 10 dias o prazo para os interessados requererem ou praticarem quaisquer atos, promoverem diligências, responderem sobre os assuntos acerca dos quais se devam pronunciar ou exercerem outros poderes no procedimento.

 

Significa isto, de forma sucinta, que o procedimento não pode nem deve ficar parado por mais de 10 dias úteis, que se contam em conformidade com as regras do artº 87º.

 

Prazo para a conclusão do procedimento

 

O procedimento deve ser concluído no prazo de 90 dias, em conformidade com o disposto no artº 128º,1 do Código do Procedimento Administrativo.

Este prazo pode, em circunstâncias excecionais, ser prorrogado por um ou mais períodos, que não podem, em nenhuma circunstância, ultrapassar os 90 dias (artº 128º,1).

O prazo do artº 128º,1 , conta-se a partir da data da entrada do requerimento.

A decisão da prorrogação tem que ser feita por despacho fundamentado, que é obrigatoriamente notificado ao requerente.

O nº 5 do mesmo artº 128º determina que para eventual apuramento de responsabilidade disciplinar, a inobservância dos prazos referidos nos números anteriores deve ser justificada pelo órgão responsável dentro dos 10 dias seguintes ao termo dos mesmos prazos.”

O artº 129º refere-se ao incumprimento do dever de decisão nos termos seguintes:

Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 13.º e no artigo seguinte, a falta, no prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.”

No novo Código do Procedimento Administrativo, o prazo procedimental tem natureza substantiva e o seu incumprimento, máxime no tocante à não prorrogação gera ato tácito.

Temos para nós que os pedidos de integração e transcrição para o registo civil português de atos de registo processados no estrangeiro devem ser objeto de decisão no prazo de 90 dias, o qual pode ser prorrogado, por despacho fundamentado, por um ou mais períodos que, cumulativamente, não ultrapassem os 90 dias.

Se não for proferido despacho prorrogando o prazo originário dos 90 dias, nos termos do disposto nos termos do artº 128º,1 do CPA forma-se, imediatamente ato tácito de deferimento que, porém, não produz nenhum efeito se o particular não recorrer aos tribunais.

Como escreve o PROF. LUIZ CABRAL DE MONCADA, em anotação ao artº 130º do Código do Procedimento Administrativo, “o novo código apresenta uma nova noção de ato tácito de deferimento. Uma noção diferente do que vigorava até então. A partir de agora o ato tácito corresponde ao facto jurídico da ausência de notificação do interessado no prazo legal da decisão administrativa expressa”.

E vai mais longe:

“A ausência de notificação da decisão tomada tanto pode ficar a dever-se ao facto jurídico do puro e simples silêncio da Administração, hipótese que esgotava o ato tácito do deferimento (nos caos em que a lei o admitia) face ao código anterior, como à falta de notificação no prazo legal de uma decisão expressa. O ato tácito de deferimento é agora compatível com uma decisão expressa e isto é que é novo.

O ato tácito ou silente (ou presumido) de deferimento pressupõe, em qualquer dos casos um requerimento dirigido pelo interessado à Administração. (…) Pressupõe anda o incumprimento do dever de decidir, ou seja, a ilegalidade da Administração ao qual incumprimento, bem vistas as coisas, tanto é consequência do silêncio como da falta da notificação da decisão expressa no prazo legal.

Sucede que a lei, em vez de remeter o interessando para a tutela contenciosa que lhe caberia, avança com a solução vantajosa da atribuição de efeitos positivos à falta de notificação no prazo legal tanto faz se devida ou não ao silêncio ou seja, resolve a questão favoravelmente ao interessado pela via procedimental em vez de pela via jurisdicional.

O exercício dos direitos ou interesses do requerente fica descondicionado a partir da verificação do ato tácito positivo tudo se passando como se a Administração tivesse deferido a pretensão”.

 

Concluindo

 

Qualquer pedido de integração de um registo ou de transcrição de registo celebrado no estrangeiro deve ser concluído no prazo de 90 dias (úteis).

Este prazo pode ser prorrogado, por despacho fundamentado por um ou sucessivos prazos que não ultrapassem mais 90 dias úteis.

O despacho ou despachos de prorrogação de devem ser, todavia, notificados ao requerente ou ao seu mandatário, sob pena de se formar ato tácito.

 

Meios processuais

Como reagir, se as repartições do registo civil não processarem os pedidos nesses prazos.

Diz a lei, no artº 129º que “a falta, no prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.”

Os meios de tutela administrativa são os que figuram no artº 169º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.

Dispõe o artº 169º,1 desse diploma que “os atos administrativos podem ser objeto de revogação ou anulação administrativas por iniciativa dos órgãos competentes, ou a pedido dos interessados, mediante reclamação ou recurso administrativo.”

Parece-nos que ficam de fora os atos tácitos, pelo que não nos resta outro caminho que não seja o do recurso aos meios judiciais.

Há, no essencial, dois tipos de ações administrativas a que podemos recorrer:

  1. A ação especial de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, prevista no artº 109º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
  2. A ação de condenação à prática de ato administrativo, a que se refere o artº 67º do mesmo Código.

Podemos recorrer à ação de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias quando isso se torne indispensável para obter uma decisão de mérito que imponha à administração “a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar.”

É o que se passa quando é denegado o direito ao registo do nascimento ou do casamento tanto do próprio como do progenitor, na medida em que tal denegação ofende o direito à identidade pessoal e o próprio direito à nacionalidade.

A ação de condenação à prática de ato administrativo é o meio processual pertinente, quando a Administração não processe, no prazo legal qualquer dos demais atos de registo.

 

 

Prazos do Regulamento da Nacionalidade

 

O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de dezembro, estabelece prazos perentórios para os processos de atribuição e aquisição da nacionalidade.

Esses prazos são comuns a todos os processos de atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa.

Nos termos do artº 41º,1 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o conservador tem prazo de 30 dias (úteis) para

  1. a) Analisar sumariamente o processo e, caso o auto de declarações contenha deficiências ou não se mostre devidamente instruído com os documentos necessários, notifica o interessado para, no prazo de 20 dias, suprir as deficiências existentes, bem como promove as diligências que considere necessárias para proferir a decisão;
  2. b) Analisar sumariamente as declarações que tenham sido prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º e, não sendo caso de indeferimento liminar, procede de acordo com o previsto na alínea anterior.

Nos termos da alínea a) o conservador dispõe de 30 dias para analisar sumariamente o processo e para notificar o interessado no sentido de suprir deficiências no prazo de  20 dias (dias úteis, tando num caso com noutro).

Nos termos da al. b), o conservador tem 30 dias para analisar sumariamente as declarações que tenham sido prestadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º e para notificar o requerente no sentido de suprir deficiências.

O prazo para a instrução é de 30 dias, no caso de não haver deficiências a suprir ou de 30 dias mais 20 dias, na hipótese de haver deficiências a suprir.

Se não fizer nenhuma notificação para suprir deficiência, verifica-se ato tácito, no prazo de 30 dias, devendo o conservador proferir despacho a autorizar o registo no prazo de 60 dias (artº 41º,2 do RNA).

Temos, assim, que, não havendo notificação para corrigir deficiências, deve o registo do nascimento ser processado no prazo de 90 dias úteis (30+60).

Se houver notificação para corrigir deficiências, os prazos contam-se do seguinte modo:

– 30 dias para o conservador analisar o processo e notificar o requerente;

– 20 dias para o requerente suprir deficiências;

– 60 dias para o conservador indeferir ou proferir despacho a autorizar o registo.

Se o conservador concluir, nos termos do citado artº 41º,3 que deve indeferir a feitura do registo notifica o interessado dos fundamentos que conduzem ao indeferimento do pedido, notificando-o para, no prazo de 30 dias se pronunciar.

Decorrido esse prazo, depois de analisar a resposta do interessado, o conservador profere despacho fundamentado autorizando ou indeferindo o registo, despacho que, salvo melhor opinião deve ser proferido no prazo de 10 dias, em conformidade com o disposto no artº 86º do CPA.

Estas normas – do artº 41º,1 a 4  – são aplicáveis, por força do nº 5 aos casos de aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção.

Outro normativo especialmente importante é o do  nº 6 do artº 41º do RNP, onde se dispõe que  “aos processos de atribuição da nacionalidade, neles se incluindo a inscrição de nascimento no registo civil português, bem como de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou por adoção e de perda da nacionalidade, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no Código do Registo Civil, exceto no que se refere à contagem dos prazos e sua dilação, caso em que se aplica subsidiariamente o Código do Procedimento Administrativo.

 

Miguel Reis

22 de outubro de 2019

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