O colapso dos serviços públicos

O colapso dos serviços públicos

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26 julho, 2022

 

Para poder terminar com o verdadeiro colapso dos serviços públicos que se verifica presentemente em Portugal é necessário dar à jurisdição administrativa as condições necessárias para estabelecer a imediata responsabilização do Estado por esta situação.

Foi notícia esta semana uma denúncia efectuada pela Provedora de Justiça relativamente ao facto de a Segurança Social estar a cortar apoios a estrangeiros em violação da lei. Efectivamente, segundo referiu a Provedora de Justiça, o facto de o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não estar a criar as vagas necessárias para dar resposta aos diversos pedidos de agendamento está a levar a que os documentos relativos à permanência dos estrangeiros em território nacional estejam a perder a validade. Para evitar os prejuízos resultantes dessa situação, o Governo estabeleceu medidas excepcionais para estender a validade dos documentos emitidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. No entanto, o Instituto da Segurança Social tem vindo a ignorar essas medidas, levando a que cidadãos estrangeiros que se encontram regularmente no território nacional estejam a perder o acesso às prestações sociais de apoio, com consequências dramáticas para a subsistência dos próprios e das suas famílias. Infelizmente esta gravíssima situação constitui mais uma a somar ao colapso dos serviços públicos que se verifica presentemente e que é bem conhecida dos advogados que se deslocam a esses serviços em defesa dos cidadãos que representam. Há muito que a Ordem dos Advogados tem vindo a receber inúmeras queixas de advogados relativamente à inexistência de vagas de atendimento no âmbito do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e apesar das diversas reuniões que tivemos sobre este assunto com os responsáveis, a situação permanece sem solução à vista. E igualmente têm surgido muitas queixas em relação ao funcionamento da Segurança Social, referindo o relatório da Provedora de Justiça relativo a 2021, ano em que teve mais participações em toda a história da Provedoria da Justiça, que 27% das queixas que recebeu diz respeito ao funcionamento da Segurança Social. Ora, um deficiente funcionamento da Segurança Social representa prestações indevidamente cobradas e ausência do fornecimento dos apoios devidos aos cidadãos, com graves lesões dos seus direitos. Esta é, porém, apenas mais uma das múltiplas queixas do colapso dos serviços públicos, salientando-se neste momento também o péssimo funcionamento dos serviços de saúde, com notícias de serviços de urgências a serem sistematicamente encerrados, colocando em risco os cidadãos que a elas necessitam de se dirigir. Não é por isso de estranhar que o mesmo relatório da Provedora de Justiça se refira a um aumento em 2021 das queixas relativas à saúde da ordem dos 23%, situação que seguramente se está a agravar em 2022. A forma correcta de reagir contra esta enorme violação dos direitos dos cidadãos, resultante do mau funcionamento dos serviços públicos, é através de acções contra o Estado nos tribunais administrativos e fiscais. Infelizmente, no entanto, um dos principais problemas da Justiça é o mau funcionamento desta jurisdição, onde se chega a levar dez anos para obter uma decisão em primeira instância. Esta situação beneficia claramente o Estado que pode assim violar impunemente os direitos das pessoas, sabendo que só daqui a muitos anos virá a ser responsabilizado. Para poder terminar com o verdadeiro colapso dos serviços públicos que se verifica presentemente em Portugal é necessário dar à jurisdição administrativa as condições necessárias para estabelecer a imediata responsabilização do Estado por esta situação. A Ordem dos Advogados criou por isso um grupo de trabalho para agilizar o funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais. Espera-se que depois o poder político actue para que termine a impunidade pelo deficiente funcionamento dos serviços públicos em Portugal. A defesa dos direitos dos cidadãos assim o exige.

 

Luís Menezes Leitão. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

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